domingo, 15 de janeiro de 2012

Mente e corpo...

Tu praticas Karate. Há alguns anos. Começaste por pura brincadeira… “ vou experimentar… preciso de fazer exercício”, dizias tu.  Ao fim de alguns meses já sabias que o exercício era apenas uma das satisfações que tiravas da prática desta nobre arte. Mas era mais. Muito mais. Acabas por perceber que o karate te está a transformar. Ao fim de alguns anos já não és o mesmo. Estás transformado num ser com uma mente mais aberta e receptiva. Sabes que, para dominar uma técnica tens de praticar afincadamente… todos os dias… física e mentalmente. Descobres que o teu cérebro tem sempre presente “a arte”. Dás contigo a fazer movimentos das katas com as mãos… as pessoas olham-te curiosas e só aí te dás conta que estás a treinar… com a mente em pleno contacto com o karate. Quando podes andar, corres e ao correr desafias-te a ti próprio. As graduações sucedem-se sem te dares conta. Começaram por ser uma das tuas metas mas já não são… assumes que as graduações estabelecidas por ti são aquelas conquistadas com a aquisição de uma nova técnica ou com o aperfeiçoamento de uma outra, mais “teimosa”. Estás agora num momento da tua vida em que observas os mestres com uma visão mais apurada… tentas perceber onde está o ingrediente que torna o mestre naquilo que ele é para ti: perfeito. E anseias por lá chegar mas tens consciência do tempo e acalmas a tua ânsia. Paciência foi outra das tuas conquistas, porque sabes que o tempo é que vai consolidar a tua arte. O movimento desajeitado que iniciaste e que agora te dá prazer executar é como se o teu corpo obedecesse agora a uma força exterior. A acção… a reacção… a rapidez de execução e a técnica fluida são agora os teus mestres. Tens de treinar…sabes que tens. Sabes que só assim evoluis. Observas agora os mais jovens que anseiam aprender. Reconheces neles o teu ímpeto e a tua ânsia, agora acalmados pela experiência e pelo treino mental. Lembras-te com alguma saudade do tempo em que, como uma esponja, absorvias tudo o que vias e ouvias para poderes avançar rapidamente. Contudo tens agora a satisfação de constatar que amadureceste e que o tempo, agora, não significa o mesmo que para aqueles jovens. Olhas os seus rostos risonhos quando lhes colocas à cintura o símbolo de mais uma graduação… e sorris. Lembras-te da tua própria satisfação quando ultrapassaste um obstáculo e o teu mestre te considerou apto para a graduação seguinte. Isso agora não importa. O sistema precisa das graduações…tu não. Graduas-te todos os dias quando um aluno te faz uma pergunta para a qual não encontras resposta imediata, e te obriga a investigar. Graduas-te também quando um aluno teu é reconhecido pela sua postura e pela sua técnica. Graduas-te quando um aluno que se inicia criança, continua contigo como adulto. E a Arte? Essa está sempre contigo. Sempre! Quando estás sozinho e, mentalmente organizas os treinos. Quando percebes e reconheces a tua insignificância no percurso do karate. E admiras a reciprocidade que existe na prática: Quando dás o teu máximo, recebes o teu máximo… pode demorar… mas chegarás lá, e quando chegares, a satisfação que recebes é a recompensa máxima. Não existe arte mais honesta na recompensa pessoal… não para ti.
Vives para o Karate… não vives do karate nem no karate. Para estes dois últimos, a arte não existe. Estás agora a fluir no “Do”. Não te preocupas com o tempo nem com os pequenos fracassos que outrora te perturbavam. Sabes agora que a persistência é o caminho e aprendeste a contornar obstáculos desenvolvendo o teu próprio trabalho, consolidado pela tua “teimosia”. Percebes agora que passaram mais de vinte anos. Lembras-te do teu início. Vês  nos teus alunos a tua irreverência e a tua impaciência, e sentes-te grato. Dizes-lhes que devem ter paciência, e treinar. Que devem questionar. Que devem inovar. Que devem elevar todos os valores que caracterizam o homem integro e que devem preservar os valores da Arte. Dizes-lhes também que o tempo os recompensará… porque sabes que sim, é verdade. Eles ainda não o percebem mas se forem afortunados como tu as portas do conhecimento abrir-se-ão mas o caminho que revelam… é longo. E vem-te à memória aquilo que disseste quando te iniciaste: “vou experimentar…preciso fazer exercício” e chegas à conclusão o exercício é afinal agora… a tua vida. E sentes-te grato. Reconheces que és agora uma pessoa completamente diferente…evoluída. A tua mente é viva e o teu corpo recusa a consciência da idade que agora ostentas. Reconheces nesta característica mais uma recompensa do treino, e sentes-te novamente…grato. Percebes também agora, que pertences a um grupo de amigos que partilham a tua paixão e que fazem parte de ti. E não te dás conta da forma vibrante como conversas com eles sobre o karate. – História e histórias fazem agora parte da tua vida e desenrolam-se na tua mente como um filme cheio de personagens, onde também, como no cinema, há bons e maus. Mas consegues reconhecer que os maus também deixaram marca na tua personalidade e nem sempre foi negativa. E percebes que o equilíbrio é isto mesmo. E reconheces honestamente que foste “construído” com essa matéria. E percebes que aquilo a que alguns chamam destino é afinal, um conjunto de episódios que se somam e se aglutinam formando aquilo que és. A tua vida é isso. E se o desejares e te comprometeres contigo próprio farás da tua vida o que quiseres. Terás obstáculos certamente mas não os tiveste já? E não os ultrapassaste? São quase trinta anos agora. Tentas olhar para trás mas não vês já o que vias. Vês um caminho longo, já percorrido, com montanhas e vales mas dás contigo a olhar agora para a frente. O caminho é igualmente longo e tortuoso. E não te preocupas com a idade. Avanças com a mesma ânsia controlada que te conduziu até aqui. A tua mente continua activamente receptiva e guardas a informação que recebes no teu treino, agora bem catalogada e armazenada, porque sabes que precisas de a encontrar quando fizeres o teu próprio trabalho. Adquiriste a capacidade de “criar” mas não queres guardar a tua criação só para ti. Partilhas com alunos e com outros karatekas e apercebes-te que eles estão a fazer o mesmo… e sorris. Sorris porque percebes agora que o karate é um ser vivo alimentado pelo nosso treino, que se expande e desenvolve cativando novas mentes. E percebes que a paixão pela Arte é a mesma que tinhas à 10, 20 anos e admiras-te por isso. Não percebes que estás impregnado e que a tua vida é e será sempre Karate.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Que futuro?



Tenho andado afastado deste blog por algum tempo, não porque não tenha assunto, porque isso arranja-se, mas por falta de tempo. Isto de se terem duas actividades profissionais, não é nada fácil. Enfim. Temos de nos adaptar. Começando um novo ano, cabe aqui deixar uma reflexão. Com o agravamento da crise que se avizinha, qual o futuro do karate em Portugal? Em conversa com alguns treinadores tem vindo "à baila" este tema que causa alguma apreensão justificada pela antevisão do panorama nacional. Quase todos com quem tenho falado me confidenciam que sofreram redução no número de alunos, alguns até dos mais antigos. É fácil perceber... quando se tem de cortar em alguma coisa corta-se naquilo que é, na visão da maioria, dispensável. É discutível se a prática desportiva, seja ela qual for, é dispensável, mas há que compreender este tipo de decisões. Isto está mau - é a "frase" do dia - não podemos chegar a tudo. Não é possível. 
O futuro deste país é uma incógnita com contornos negros. A chamada luz ao fundo do túnel parece não existir porque nem o túnel se vislumbra. É verdade que vêm aí tempos difíceis onde a solidariedade e a compreensão vão ser os requisitos mais  necessários tendo em conta o número elevado de desempregados que existe e a sua tendência para aumentar.
Somos  portugueses e este povo é conhecido pela sua capacidade de "dar a volta por cima". Já tivemos outras crises das quais saímos, fortes e empenhados. Esta é uma crise diferente, dizem muitos, mais grave. Sem dúvida que é. Não vai ser fácil e vai depender do empenhamento de todos, mas vai ser possível, acredito. Os efeitos colaterais desta crise vão ser, a meu ver, a perda definitiva de direitos que se levaram anos a adquirir e o empobrecimento acelerado que a população vai sofrer. Vamos ter de aprender com isto. Somos um povo corajoso mas também algo negligente. As coisas chegaram ao ponto em que estão não por culpa única dos sucessivos governos que foram incapazes de nos governar honestamente, mas por nossa culpa também. Todos tivemos culpa. Todos. A nossa mentalidade tem de mudar. A nossa atitude tem de mudar. A mentalidade dos trabalhadores tem de mudar no sentido de trabalhar melhor, não é mais, é melhor. A mentalidade dos empregadores tem de mudar - perceber que a dinâmica das empresas está na sua força de trabalho aliada à tecnologia. São as pessoas que fazem uma Nação. São as pessoas que movem ideias e que conduzem revoluções. São as pessoas que fazem os países evoluir. Temos de consertar aquilo que estragámos, e rapidamente. As novas gerações têm essa responsabilidade acrescida - fazer Portugal mudar. Nas empresas quem trabalha sem olhar a horas de entrada ou saída, é "graxista". Não se entende que o trabalho de uns depende do trabalho de outros e que, deixando tarefas a meio se impedem outros de começar as suas - isto implica perda de tempo e de recursos. Os empregadores têm de saber recompensar aqueles que se esforçam criando neles a motivação para se esforçarem mais. Acredito na reciprocidade - quem mais trabalha deve ser melhor recompensado. Isto cria motivação e "empurra" os outros a fazer o mesmo. As empresas estão mal muitas das vezes por culpa de quem nelas trabalha e quem as gere por falta de cooperação entre trabalhadores e empregadores. 
A nossa mentalidade tem de mudar e vamos mudar. Porque não pode ser de outra forma. Porque não há outra solução. Porque precisamos de deixar herança para os nossos filhos. Porque precisamos de voltar a sentir orgulho no povo que somos. Somo portugueses, aquele povo que não se amedrontou com as tormentas e rasgou os mares em busca de novos mundos. Somos o povo que empresta ao mundo algumas das melhores mentes que existem. Somos o povo que enriqueceu o mundo com as suas artes e o seu saber. Somos o povo responsável por tornar a sua língua falada num grande pedaço do mundo.
Vamos dar a volta - por cima - para mostrarmos quem somos, mas temos de "baixar a crista" e perceber que temos de mudar. Temos de, com verdadeira humildade, perceber que falhámos - todos sem excepção - e que temos de reparar os estragos. Temos de ter a força suficiente para fazer os nossos governantes desempenharem com honestidade e correção a tarefa para a qual os elegemos.  
Eu não estou disposto a abdicar daquilo que sempre me motivou a seguir em frente - um futuro estável e promissor.